sexta-feira, 1 de julho de 2011

Guimarães em Tempo de Guerra III

Os anos que se seguiram às invasões francesas foram anos relativamente pacatos para Guimarães. Em 1818, celebrava-se o 10º aniversário do levantamento da vila de Guimarães contra o invasor francês. Por essa ocasião houve iluminação nas ruas, Te Deum na Colegiada de Nossa Senhora da Oliveira e fogo. Viviam-se momentos de alguma alegria e festa e, logo no ano seguinte, a vila conheceria novas festividades, desta feita em virtude das comemorações pelo aniversário de D. João VI.

Apesar do clima aparentemente sossegado que se vivia, um pouco por todo o país existia um certo mal-estar. O Rei, com o intuito de escapar ao invasor francês, tinha feito uma “retirada estratégica” para o Brasil e parecia não ter planos para voltar tão cedo. Os portugueses, vendo a sua corte do outro lado do oceano, não suportavam a ideia de serem a “colónia de uma colónia” e as ideias liberais, em parte trazidas pelos franceses, começavam a fervilhar, um pouco por todo o país. A agitação iria voltar.

A 24 de Agosto de 1820, de acordo com as memórias de um testemunho coevo (do cónego vimaranense Pereira Lopes Lima) chegava a Guimarães a notícia de ter rebentado na cidade do Porto “uma revolução na qual proclamaram a El-rei D. João VI, as Cortes e por elas a Constituição”. A ideia de introduzir uma Constituição em Portugal era algo de novo e não viria a ser pacífico. Em Guimarães a notícia seria recebida com festejos e com agrado por parte dos constitucionais (nome dado aqueles que apoiavam a Constituição e o liberalismo) e na Câmara Municipal seria feito o juramento da Constituição. Contudo, apesar do aparente regozijo demonstrado pela população, nem todos apoiavam esta nova ordem que iria emergir do documento constitucional e cedo começariam a sentir-se as divisões entre constitucionais (liberais) e absolutistas (realistas).

O país encontrava-se dividido entre aqueles que defendiam o absolutismo e aqueles que defendiam o liberalismo, expresso na Constituição de 1822. Em Guimarães, tal como no resto do país, vivia-se um clima de enorme tensão entre os liberais e os absolutistas. Este clima de tensão iria estalar quando, numa noite de Novembro de 1822, um grupo de indivíduos armados, partidários do absolutismo, se dirigiu a um célebre café do Toural (o botequim do Vago-Mestre), cujo dono era um dos chefes constitucionais vimaranenses, e lhe partiu uma serie de vidraças, arremessando, também, diversas pedras para dentro da casa do botequineiro, com o intuito de o matar. Os ataques a este espaço foram uma constante entre 1822 e 1823, tendo sido o seu proprietário forçado a garantir a sua segurança com uma escolta do exército.

Um pouco por todo o país, os absolutistas conspiravam contra o novo regime liberal, desejando acabar com o referido regime e suprimir a Constituição de 1822. Em Trás-os-Montes, o Conde de Amarante (um dos heróis da resistência aos franceses) iria encabeçar uma revolta contra o liberalismo mas seria suprimido. De Guimarães sairiam para o combater o Regimento 15 (aqui aquartelado) e o Regimento de Milícias de Guimarães. Após a vitória sobre o Conde de Amarante, estes dois corpos militares entrariam em Guimarães onde seriam recebidos pela população em festa. Por esta altura, desfilariam para as prisões partidários do absolutismo, detidos pelo Regimento 15. Os constitucionais rejubilavam com a sua vitória, mas cedo a sua sorte iria mudar…

A 27 de Maio de 1823, em Vila Franca de Xira, dava-se a “Vilafrancada”, revolta encabeçada pelo príncipe D. Miguel onde se proclamou o absolutismo. Em Guimarães começariam a ser presos os liberais que não se tinham posto em fuga. Durante este período, alguns constitucionais vimaranenses ficariam detidos nas cadeias da vila, sendo mais tarde desterrados. Era agora a vez dos partidários do absolutismo, presos meses antes pelo Regimento 15, regressarem a Guimarães, tendo sido recebidos, de acordo com o já citado cónego Pereira Lopes Lima, por “mais de duzentas pessoas a cavalo” e por repiques de sinos e festejos por toda a vila.

Viviam-se tempos de grande agitação política. Conspirações e tentativas de tomada do poder, ou de consolidação do poder por parte de uma tendência ou facção, aconteceram com alguma frequência. Com a morte do rei D. João VI, o seu filho mais velho, D. Pedro IV, herdaria o trono. Em 1826, D. Pedro IV iria outorgar a Portugal uma Carta Constitucional, mais moderada do que a Constituição de 1822, com o intuito de apaziguar os ânimos exaltados que se viviam naquele tempo.

Em Guimarães, estas novas alterações seriam recebidas com belíssimos festejos, sendo a praça do Toural o centro de grande parte das comemorações. Mais uma vez, os festejos não seriam, de forma nenhuma, sinónimo de união ou de unidade. Guimarães estava dividida em duas facções que cedo se iriam confrontar. De acordo com o cónego Lopes Lima, em Agosto de 1826 os “realistas deram algumas lapadas em uns constitucionais que estavam a cantar o hino constitucional”. O General da Província, Visconde de Santa Marta, sabendo destes confrontos nas ruas de Guimarães, ainda mandou prender alguns dos responsáveis por estes distúrbios mas de nada iria adiantar. Era o princípio da Guerra Civil (Continua).

Publicado originalmente no Povo de Guimarães

1 comentário:

  1. Agradecia, por favor, a identificação do "Povo de Guimarães", onde se encontram as referências sobre estes acontecimentos entre liberais e miguelistas em Guimarães. Obrigado.

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