terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

A Festa de Tadeu Luís: Fim.

"Acabado o Acto Académico (...) se passou outro teatro não menos divertido em que os olhos acharam um novo arsenal com abundante provimento de deleitáveis regalos para a vista. Era este teatro a mesma praça onde o brilhante das muitas mil luzes fazia um clarão tão grande que desmentia o tempo porque ninguém via a noite. Achava-se povoada de 6 para 7 mil pessoas porque não concorreram a ver tão lustroso espectáculo os moradores de toda a Vila mas os de muitas povoações da sua vizinhança, convidados pelo alegre ruído (...). Iluminaram-se inteiramente todas as cinco máquinas que adornavam a praça e pareciam outras tantas constelações, cujos nítidos fulgores influíam uma gostosa complacência a todos os circunstantes. Deu-se ordem para começarem a correr as fontes do generoso licor que ao mesmo tempo alenta e alegra quem dele faz bom uso. Mandou-se entregar ao Povo para repartir entre si aquele utilíssimo Bruto [um boi] que até então havia servido de símbolo da paz, sem que esta circunstância o desmentisse (...). E, como a grandeza se manifesta pelos desperdícios, se mandaram lançar das janelas do Palácio à plebe mais de dois mil pães e vários cestos de frutas e de doces. Novo género de divertimento foi também a sofreguidão com que muitos, ao mesmo tempo, queriam aparar o pão, alcançar o vinho e não ficar sem carne; porém em todo este alegre tumulto não se viu desordem (...) antes se ouvia repetir com cordial alvoroço muitas vezes: viva El-Rei, vivam as Magestades, vivam os Príncipes!(...).

Correndo novos bastidores se viram logo no mesmo teatro correr fontes, encher e vazar cântaros (...) e voar girândolas, tudo de fogo. Ouviam-se numerosos estrondos (...) Viam-se subir às nuvens serpentes de fogo de diferente artifício. Umas que desfazendo-se em estrelas, parecia querem dar novas constelações ao firmamento; outras que voando com maior violência acabavam de estouro como em castigo do atrevimento de subir e algumas feneciam, derramando-se em lágrimas, como sentidas de não poder subir mais alto (...).

Três horas que o não pareceram se gastaram neste aprazível divertimento, nunca imaginado das mais elevadas ideias dos antigos e tão fácil hoje aos engenhos modernos (...). Acabou-se [assim] a festividade deste dia de tanto crédito de Guimarães (...). FIM."

A Festa de Tadeu Luís: A noite, o anfitrião e os convidados (II)

"Para que a dilatada lição (...) se não fizesse fastidiosa aos ouvintes se alternaram com uma serenata e uma Loa feita expressamente para aplauso dos dois Régios Consórcios dividida em duas partes, a primeira composta pelo Doutor Manuel Lopes de Araújo; a segunda pelo Secretario Amaro José de Passos (...). As pessoas que foram interlocutores nestas duas Loas eram os melhores músicos que se conhecem nestes distritos e faziam as figuras da Fama, do obséquio, da Vila de Guimarães e dos dois Coutos de Abadim e Negrelos de que é Senhor o autor da festividade desse dia. (...) Nos intervalos destas diferentes cenas se distribuíram abundantemente por todos os circunstantes em confeiteiras, bandejas e salvas de prata (...) grandes quantidades de doces de várias castas e todos selectos; para o que havia o Senhor de Abadim tido a prevenção de mandar buscar a certos Mosteiros de Lisboa, Évora, Coimbra, Porto, Lamego e Ponte de Lima (...). Não faltou bebida delicada das que apesar dos néctares e ambrósias soube inventar a Arte, avantajando nas delícias os Homens aos Deuses (...).


segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

A Festa de Tadeu Luís: A noite, o anfitrião e os convidados

"Farei só uma breve memória do que vestiu nesse dia o autor da festa. Compunha-se esta de uma casaca escarlate primorosamente bordada de ouro e prata e relevada a bordadura com alcachofras de canotilhos; de uma vestia um estofo coalhado de ouro brilhante a que o moderno vocabulário chama glacê. A venera da Ordem de Cristo (...) de ouro guarnecida de preciosos diamantes; e da mesma matéria e guarnição eram a fivela, botão e presilha do chapéu, copo e guarda do espadim e fivelas dos sapatos.

Seguiu-se um sumptuoso banquete para o qual convidou 56 pessoas da principal Nobreza da Vila, Dignidades e Cónegos da Real Colegiada de N. Senhora de Oliveira, o Tesoureiro-Mor da Sé de Braga, os Prelados das Religiões e os Ministros da Justiça (...). Três vezes se cobriu a mesa e de cada uma com 36 pratos dos mais deliciosos, mais delicados e mais esquisitos. Nas duas primeiras foram servidos os convidados em prata; na terceira em porcelana do Japão e da China. Durou este gostoso divertimento até ao por do Sol.

Chegada a noite (se a houve nesse dia) passaram os hóspedes a um salão onde na parede principal, debaixo de um docel de brocado de ouro, se viam os retratos dos quatro príncipes casados (...). As paredes se guarneciam e ilustravam com 10 grandes e excelentes placas de prata e outras tantas serpentinas do mesmo metal, curiosamente lavradas; a dois e três lumes cada uma. Passavam de 150 as luzes com que iluminava esta a casa. Nela se achavam os Atletas da Academia Vimaranense, e na presença de mais de 300 pessoas (...) recitaram quatro Orações Panegíricas e muitas Poesias elegantes. Deu princípio a este acto académico, por uma elegante oração, o Secretário da mesma Academia, Amaro José de Passos, a quem o senhor de Abadim agradeceu este trabalho com um anel de diamantes e um livro histórico.

Fez o segundo panegírico o dr. Francisco Rebelo Leitão, corregedor da vila, a quem o senhor de Abadim manifestou o seu agradecimento com um relógio e o Epitome da História de Portugal.

Orou em terceiro lugar em língua latina correcta e elegantemente o dr. Manuel Lopes de Araújo, a quem o senhor de Abadim agradeceu com outro igual relógio e as primeiras Crónicas deste reino. Disse o quarto panegírico o mesmo Senhor de Abadim na língua castelhana, que apesar de estrangeira, nada ficou prejudicada na sua natural elegância; e foram seu prémio as vozes com que a fama começou deste dia a decorar para as repetir perpetuamente com plausíveis brados em grande crédito de Guimarães, sua Pátria, que se confederaram na sua pessoa com sua magnanimidade, a gentileza, a galhardia, o estudo, a discrição e o zelo na glória do seu Rei (...)."

terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

A Festa de Tadeu Luís: A Praça

"Todo o frontispício da Igreja da Misericóridia se transfigurou em outro de luzes de primoroso artefacto e todas as mais casas que formam as faces daquela praça se cobriram de velas e grizetas sem número. Levantaram-se nos quatro cantos quatro pirâmides formadas sobre arcos; revestido tudo de encarnado e prata e adornado de vários remates e decorações: Por cada arco se entrava em um bosque de frondosos ramos e de todos os quatro bosques rebentavam outras tantas fontes de excelente vinho. No centro da praça se erigiu um padrão sobre quatro colunas cujos capiteis serviam de base a outras tantas pirâmides; e nestas se davam a ler as augustas ascendências dos quatro Príncipes Contraentes desta nova e feliz aliança das duas Coroas; com a distinção dos nomes dos seus esclarecidos progenitores e dos graus que pela ordem da natureza lhes pertenciam. (...)

Debaixo desta máquina, no vão dos quatro arcos, que se formavam entre as quatro colunas referidas, estava um boi vivo; não destinado a ser vítima de Cibeles; (...) mas como símbolo da paz que estas alianças prometem tão durável aos súbditos de ambos os Domínios. Disposto assim tudo na forma referida, começou a festa pelo pomposo das galas e como é como é impossível descrever a riqueza e bom gosto de todas em uma Povoação em que há tanta Nobreza e tantos Morgados Ricos."

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

A Festa de Tadeu Luís: O Palácio

No folheto de que fala Padre Caldas, O GUIMARÃES FESTIVA, a festa de 1728 é descrita na íntegra. Proponho aos leitores que acompanhem esse relato (cujas partes mais interessantes tenciono transcrever) começando pela descrição do palácio onde decorreram os festejos – a Casa dos Carvalhos no Largo da Misericórdia.

É situado o Palácio que este Fidalgo tem naquela Vila na praça da Misericórdia (...). Tem uma magnífica fachada de 200 palmos de extensão, com janelas à moda adornadas de colunas de excelente mármore e uma sumptuosa simalha povoada de ameias, hieróglifo da sua nobreza e antiguidade. Fica-lhe uma parte contígua e como cabeça deste corpo uma alta Torre de duas ordens de espaçosas janelas adornadas de colunas de excelente mármore, que a grandeza do Senhor Rei D. João III no tempo em que se fazia esta obra mandou a Gaspar de Carvalho, Senhor de Abadim e Negrelos, que foi seu Embaixador Extraordinário na Corte de Espanha, 4º avô deste Cavalheiro; as quais por dádiva de mão tão soberana, contra o gosto da moderna arquitectura, se conservam na mesma forma depois de reedificada a Torre. Esta se coroa com um zimbório guarnecido de pirâmides e ameias e é o seu remate uma figura de bronze de altura de oito para nove palmos, que empunha com a mão direita uma espada e embraça com a esquerda um escudo, representando um Anjo ou, como tutelar da Vila, ou como o símbolo do valor com que os Senhores desta Casa a sustentaram em outro tempo na obediência dos seus Reis naturais e a defenderam sempre contra a expugnação dos seus opostos.

Toda esta fachada de Palácio e Torre, não só as suas janelas mas por todo o pano da parede até o nível da rua se guarneceu de tochas de cera branca, e tão juntas umas das outras que faziam uma maravilhosa e agradável perspectiva: Imagem da misteriosa Zarça, toda a casa se via arder e não se consumia. Todo o interior do Palácio, pátio, escadas e galeria se achava da mesma forma iluminado excedendo só as tochas o número de mil. "

Imagem roubada aqui.

terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

Uma festa em Guimarães em 1728: A Festa de Tadeu Luís

Segundo nos diz o Padre Caldas, “o entranhado amor que os filhos de Guimarães votaram sempre aos seus monarcas e príncipes, nunca se manifestou dum modo tão brilhante e excepcional, como na ocasião dos reais desposórios do príncipe do Brasil (futuro Rei D. José I) com a princesa das Astúrias D. Maria Ana Victória de Bourbon. Os deslumbrantes festejos, que por tal motivo tiveram aqui lugar nos dias 5, 6, 7 e 8 de Fevereiro de 1728, constam dum breve e raro folheto com o título de GUIMARÃES FESTIVA, dedicada ao nosso ilustre patrício Tadeu Luís António Lopes de Carvalho, e por mim obtido da excelente livraria do meu mestre e amigo Pereira Caldas.

Os festejos públicos nos três primeiros dias foram reais e deslumbrantes, e redobrariam por certo de magnificência, se o não viesse impedir - como diz o autor da RELAÇÃO DOS FESTEJOS – uma espécie de diferença, em que se achava neste tempo o senado da vila com o cabido da colegiada. Mas esta diferença, que estorvou um pouco tão solenes demonstrações, foi superabundantemente suprida pelo patriotismo do senhor de Abadim e Negrelos, que terminado a 7 de Fevereiro o tríduo festivo da vila, quis se continuasse mais um dia o aplauso, e que nesse corresse por sua conta a despreza do festejo.”

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

"A Burocracia acomodaticia" na Monarquia do Norte

Desenho humorístico de Jorge Barradas sobre os oportunistas que existiram durante Monarquia do Norte, divididos entre o Porto monárquico e a Lisboa republicana. Publicado no "O Século Cómico - Suplemento humorístico de O Século" n.º 1105 de 17 de Fevereiro de 1919. Retirado da Hemeroteca Municipal de Lisboa.

"O amanuense*:
-Que hei-de escrever no fecho dos dois ofícios que V. Ex.ª mandou fazer?

O chefe:
-No que vai para Lisboa escreva «Saúde e Fraternidade»; no que vai para o Porto escreva «Deus guarde a vossa excelência»"


*Empregado, escrevente de repartição pública; copista.

domingo, 12 de fevereiro de 2012

A Monarquia do Norte em Guimarães - III: o último dia.



A 19 de Janeiro de 1919 teve início no Porto um movimento militar  (e também civil) que ficaria conhecido como "Monarquia do Norte". Em Guimarães o Presidente da Câmara em exercício durante o sidonismo, Dr. João Rocha dos Santos, afirmava perante um novo Governador Civil de Braga a sua lealdade ao regime monárquico o que, num primeiro momento foi aceite, enquanto a partir do Porto se organizavam os novos núcleos políticos monárquicos.
A 23 de Janeiro, organizado o movimento, o Governador Civil de Braga demitiu Rocha dos Santos e escolheu alguns dos mais indefectíveis monárquicos vimaranenses para formarem a Comissão Administrativa que, daí em diante, passaria a administrar o concelho de Guimarães. A comissão integrava António de Azevedo Machado, Dr. António Maria do Amaral Freitas (Guardal), Alexandre Martins da Costa Silva (Taipas), Augusto Pinto Areias, Francisco Salgado (Vizela), Gaspar Pereira Leite de Magalhães Couto, João Veloso de Araújo, Dr. José Joaquim de Oliveira Bastos, José Joaquim Vieira de Castro e Manuel de Castro Sampaio (Sendello).
No dia 23 de Janeiro seria escolhido para Presidente da Comissão Administrativa (e para Presidente da Câmara) o Dr. José Joaquim de Oliveira Bastos. Monárquico irredutível, chegou a conhecer pessoalmente Paiva Couceiro e, ao que parece, terá estado ligado às incursões monárquicas de 1911 e 1912. Durante a I República afirmou-se sempre como monárquico e integrou algumas estruturas monárquicas de âmbito nacional, recusando exercer cargos públicos e políticos durante a República.  O cargo que agora assumia de Presidente da Câmara de Guimarães, não representava apenas a liderança de uma Câmara. Representava também o assumir da chefia do dia-a-dia político do núcleo monárquico de Guimarães, que contava com nomes extremamente influentes na sociedade de então, como o de Henrique Cardoso de Macedo Martins e Menezes (2º Conde de Margaride), Azevedo Machado (proprietário do Comércio de Guimarães, periódico monárquico), Coronel Artur Justino Amado, entre outros. 
Quando aceitou a presidência da Comissão Administrativa sabia que a tarefa que o esperava não iria ser fácil. E não se enganou. Apenas 22 dias após o seu início terminava a Monarquia do Norte. Ao saber da notícia da entrada das tropas republicanas do Porto, Oliveira Bastos saiu apressadamente de Guimarães rumo ao Porto. Ao chegar lá viu que já tudo estava perdido. Decidiu voltar a Guimarães. Ao descer a rua em direcção à estação de S. Bento cruzou-se com centenas de carbonários que faziam o trajecto inverso. Apesar da sua vida estar em risco soube manter-se calmo. Já na estação deitou uma  arma que tinha consigo numa retrete, bem como destruiu a sua identificação. Com algum custo conseguiu regressar a Guimarães...
Em Guimarães tudo parecia tranquilo. Chegando a casa pediu que lhe preparassem uma refeição. É possível que lhe tenha passado pela cabeça que aquela seria a sua última refeição caseira durante os próximos tempos, pois tinha decido entregar-se de imediato às autoridades republicanas. Para não comprometer os seus correligionários nesse mesmo dia queimou toda a documentação relativa à Monarquia do Norte que tinha em sua posse .Antes de se entregar preparou a sua mala com um cuidado especial: não se esquecer da pasta de dentes! Mandou chamar um carro e partiu para Braga, onde se foi entregar ao Governo Civil. Nunca tendo permitido actos de grande violência em Guimarães durante a Monarquia do Norte (e tendo até protegido alguns republicanos durante o Sidonismo) foi de imediato libertado.
Este foi um dia agitado na vida de Oliveira Bastos. O dia 13 de Fevereiro de 1919, o último dia da Monarquia em Guimarães.


Na foto: José Joaquim de Oliveira Bastos.
Nota: Algumas destas informações foram-me transmitidas pelo Dr.José J. Oliveira Bastos, filho de José Joaquim de Oliveira Bastos

A Monarquia do Norte em Guimarães - II


Mas perante os acontecimentos ocorridos, este é chamado, na madrugada de 20 de Janeiro, à presença do Governador Civil, o qual o informou da proclamação da monarquia, tendo Rocha dos Santos apresentado o seu pedido de demissão. Sendo-lhe negado este pedido, regressado a Guimarães, proclamou a monarquia, nos Paços do Concelho, com a presença do comandante militar e inúmeros populares, no meio de uma enorme festa.

Presidência efémera, dada a demissão de quatro dos nove membros da Comissão Administrativa comunicada na sessão de 22 de Janeiro, ficando ainda lavrado, na acta desta sessão, o apoio de Rocha do Santos à monarquia “o que por aclamação foi votado, sendo a sessão levantada com vivas à Monarquia.”.


Logo a 23 de Janeiro, tomaria posse uma nova Comissão Administrativa, nomeada pelo Governador Civil, sendo esta “conferida pelo presidente da comissão cessante [Rocha dos Santos] ”, segundo o “Gil Vicente”, perante uma repleta Praça da Oliveira que ouviu os discursos de figuras dos novos corpos administrativos locais. Em sessão do dia seguinte, José Joaquim de Oliveira Bastos seria eleito para presidir esta nova comissão, que, como primeira medida, decidiu mudar a toponímia de vários arruamentos, a começar pelo Largo da Misericórdia que retomou o seu antigo nome de Largo João Franco.


Esta restauração da Monarquia, segundo os relatos coevos do “Gil Vicente”, foi entusiasticamente recebida por Guimarães, a começar pela Associação Comercial de Guimarães e Juntas de Paróquia de São Paio e Oliveira. Nas ruas da cidade deram-se várias e participadas manifestações de apoio, a começar pela ocorrida na noite de 19 para 20 de Janeiro, várias e participadas manifestações de apoio, usualmente acompanhadas por diversas bandas musicais, organizando-se também alguns espectáculos em teatros. Das varandas as mulheres saudavam os manifestantes ou, tomando um papel mais activo, organizavam peditórios de porta em porta a favor dos combatentes.


Contudo a “Monarquia do Norte” sentindo dificuldades no campo militar, como relatava o “Gil Vicente”, ofereceria amnistia aos desertores que se apresentassem nas suas unidades.


Com estas dificuldades a “Monarquia do Norte” acabaria definitivamente, após encarniçados combates no litoral centro, com a entrada das tropas republicanas no Porto a 13 de Fevereiro de 1919. Conforme sumário relato do “Gil Vicente”, somente no dia seguinte, entrou em Guimarães, uma coluna de civis e militares que rapidamente substituíram a bandeira monárquica pela republicana nos edifícios públicos, sendo estes ocupados por “várias forças” que saíram à rua, tudo isto perante a estupefacção geral visto que “ninguém supunha vir a dar-se um desfeche desta natureza”.

(imagem: Caricatura publicada no "O Século Cómico - Suplemento humorístico de O Século" n.º 1107 de 3 de Março de 1919, onde aparece a mãe República finalmente reunida com as suas duas filhas Porto (à sua direita) Lisboa (à sua esquerda) . Imagem retirada do site da Hemeroteca Municipal de Lisboa)

A Monarquia do Norte em Guimarães - I


Novembro de 1918 começou, internacionalmente, com a perspectiva do fim da 1ª Guerra Mundial. Contudo, a paz não regressou imediatamente pois, fruto das consequências desta guerra, despoletaram uma série de guerras menores e revoluções, essencialmente ocorridas nos territórios das Potências Centrais e do extinto Império Russo.

Internamente, a “República Nova”, implantada a 5 de Dezembro de 1917 devido ao descontentamento provocado pela crise social e política da “República Velha”, aproximava-se do seu primeiro aniversário e, igualmente, do seu fim abrupto com o assassinato de Sidónio País, a 14 de Dezembro, acto último de uma série de revoltas e acontecimentos contra o Sidonismo.

Perante o choque de tal acontecimento, em sessão extraordinária de 16 desse mês, a Comissão Administrativa da Câmara de Guimarães - presidida por João Rocha dos Santos - decidiu, entre outras medidas, mandar celebrar exéquias em memória de Sidónio Pais na Igreja da Oliveira, a que se associou, no luto, uma posterior conferência de homenagem efectuada no Liceu, por determinação do Ministério da Instrução, que seria longamente elogiada pelo jornal vimaranense “Gil Vicente”.

Com o fim deste período, e perante as dissensões internas entre apoiantes do Sidonismo, a que se juntava a oposição dos partidos Democrático e Evolucionista, estabeleceu-se um clima de revoltas constantes ocorridas entre Dezembro de 1918 e Janeiro de 1919, sendo estas encabeçadas por personalidades de várias sensibilidades políticas.

Em Guimarães estas clivagens tiveram reflexo nas concorridas manifestações, decorridas a 30 de Dezembro de 1918 e a 1 de Janeiro de 1919, de apoio à Junta Militar do Norte que se autoproclamaria, a 3 de Janeiro, herdeira do Sidonismo. No meio castrense, os sargentos do Infantaria 20 associavam-se aos protestos pelo assassinato de Sidónio Pais e partiam vários contingentes militares.

Com tal clima de clivagem política, estava aberta a janela de oportunidade para a tentativa de restauração da monarquia que se iniciou a 19 de Janeiro, com a constituição da portuense Junta Governativa do Reino de Portugal, encabeçada por Paiva Couceiro, sendo acompanhado, embora somente até 24 de Janeiro, por revoltosos em Lisboa. Ficava assim o país dividido entre o sul republicano e o norte monárquico, que ficou para a memória como o “Reino da Traulitânia” ou “Monarquia do Norte”.

No poder autárquico vimaranense, João Rocha dos Santos era reconduzido, em sessão de 2 de Janeiro, na presidência da Comissão Administrativa.



(imagem: Retrato de Henrique Mitchell de Paiva Couceiro, com a bandeira monárquica em pano de fundo, retirado do blogue
Causa Monárquica)