A primeira referência
documental às “Nicolinas”[1]
Até
agora, as referências mais antigas ao culto a S. Nicolau pelos estudantes em
Guimarães são, sem margem para dúvidas, os pedidos efectuados à Colegiada em 1661 e 1662
por um conjunto de padres e licenciados (pertencentes à confraria de S. Nicolau) que pretendiam insituir uma capela
dedicada ao culto do Santo.
Contudo, uma recente descoberta do historiador e investigador
vimaranense Rui Faria, faz com que as “Nicolinas” recuem mais uns anos, mais
precisamente para 1645 como se poderá constatar através da leitura do seguinte
documento Notarial:
“Ano de 1646 a 22 de Março
Perdão de Maria Cardosa a Tomé Pereira
Em nome de Deus ámen saibam qoantos este estrom[en]to de perdão
/ ou como melhor em d[i]r[ei]to aja
lugar virem que no ano do na/ssim[en]to de nosso s.or IHJ Cristo de mill
seissentos e corenta e seis / annos aos vinte e dous dias do mês de Março do
dito anno / nesta villa de G[uimara]es na Rua da Sap[a]t[ei]ra della casas de
morada de mim / publico t[abel]am paresseo M[ari]a Cardosa moradora atrás
do Muro / do arrabalde desta villa pessoa reconhesida de mim t[abeli]am e
por /ella foi dito em minha prezensa e das test[emunh]as abaixo assinadas /que o juiz de fora
desta villa o lecenseado André de Gouveia Mendan/ha a mandara noteficar
paresesse diante elle por lhe haverem / feito quixa que hos estudantes na noite
de São Nicolau do ano / próximo passado de seissentos e corenta e sinco anos
lhe aviam arombado / hum postigo da sua porta e se fizera justiça de que o dito
juiz / tirara devassa e nella saira[m] pronunsiados António P[erei]ra estudante
he Thomé P[erei]ra filho de Ant[óni]o P[erei]ra mercador outrossi estudante /
he porque elles não foram os que chegara[m] a sua porta nem lhe fizeraõ agravo
algum nem elles nem outra pessoa alguma nem / aronbara[m] nem abalroara[m]
porta algu[m]a, he por estar em coresma / por descargo de sua consiensia
declarava que os sobreditos fora[m] injustam[en]te pronunsiados e que de sua
livre vontade / sorprema nem constrangimento de pessoa algu[m]a lhe perdoava /
toda a cullpa emenda e satisfação sível e crime que pello dito caso lhe havia a
justiça emposto e delles não / queria mais cousa alguma, e pedia às justiças de
sua mag[esta]de que
mais contra elles não prosedessem avante porquanto / por este lhe havia
perdoado livremente e assim o disse e outor/gou e mandou ser feito nesta nota
este instrum[en]to de
perdão / e delles dar os treslados nesessários e que comprirem a / que tudo eu t[abeli]am como
pessoa públiqua estepulante e assei/tante todo estipulei em nome da pessoa ou
pessoas / a que o aseitaram tocar possa não presentes p.a assim mai pedi os /
treslados nesessários e que comprirem a que foram testem.has / Jherónimo de
Oliveira m.or nesta vila a que ella M.a cardosa rogou / que assinasse por ella
e assinou sendo mais test[emunh]as presentes / Ant[óni]o da Rocha e
Belchior Mendes morador nesta villa que / todos aqui assinaram Miguel
Dias t[abeli]am o
escrevi
Assino a seu rogo Jerónimo de Oliveira +
Benchior Mendes + António da Rocha”
O
documento refere então que na noite de São Nicolau de 1645, António Pereira e
Tomé Pereira, ambos estudantes, teriam arrombado um postigo da casa de Maria Cardosa,
tendo esta, algum tempo depois, apresentado uma queixa que, mais tarde, viria a
retirar.
O
relato extraído do notarial não só demonstra que em 1645 existia algum tipo de
culto prestado a S. Nicolau pelos estudantes vimaranenses, mas também dá-nos a
conhecer que já nessa altura as festividades se revestiam de um certo caractér
transgressor, que perdurou ao logo dos séculos e que ainda hoje se mantém.
Fontes documentais: Arquivo Municipal Alfredo Pimenta, Arquivo Notarial, Cota: N – 49 fl. 132 v.
O documento citado foi-me cedido pelo Rui Faria a
quem muito agradeço.
[1]
O termo “Nicolinas”, surgido no século XX, é
aqui usado no título como sinónimo dos festejos e folias dos estudantes
praticados no dia de S. Nicolau ou em sua homenagem.
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