sexta-feira, 30 de novembro de 2012

A primeira referência documental às "Nicolinas"


A primeira referência documental às “Nicolinas”[1]

Até agora, as referências mais antigas ao culto a S. Nicolau pelos estudantes em Guimarães são, sem margem para dúvidas, os pedidos efectuados à Colegiada em 1661 e 1662 por um conjunto de padres e licenciados (pertencentes à confraria de S. Nicolau) que pretendiam insituir uma capela dedicada ao culto do Santo.
Contudo, uma recente descoberta do historiador e investigador vimaranense Rui Faria, faz com que as “Nicolinas” recuem mais uns anos, mais precisamente para 1645 como se poderá constatar através da leitura do seguinte documento Notarial:
“Ano de 1646 a 22 de Março
Perdão de Maria Cardosa a Tomé Pereira
Em nome de Deus ámen saibam qoantos este estrom[en]to de perdão / ou como melhor em d[i]r[ei]to aja lugar virem que no ano do na/ssim[en]to de nosso s.or IHJ Cristo de mill seissentos e corenta e seis / annos aos vinte e dous dias do mês de Março do dito anno / nesta villa de G[uimara]es na Rua da Sap[a]t[ei]ra della casas de morada de mim / publico t[abel]am paresseo M[ari]a Cardosa moradora atrás do Muro / do arrabalde desta villa pessoa reconhesida de mim t[abeli]am e por /ella foi dito em minha prezensa e das test[emunh]as abaixo assinadas /que o juiz de fora desta villa o lecenseado André de Gouveia Mendan/ha a mandara noteficar paresesse diante elle por lhe haverem / feito quixa que hos estudantes na noite de São Nicolau do ano / próximo passado de seissentos e corenta e sinco anos lhe aviam arombado / hum postigo da sua porta e se fizera justiça de que o dito juiz / tirara devassa e nella saira[m] pronunsiados António P[erei]ra estudante he Thomé P[erei]ra filho de Ant[óni]o P[erei]ra mercador outrossi estudante / he porque elles não foram os que chegara[m] a sua porta nem lhe fizeraõ agravo algum nem elles nem outra pessoa alguma nem / aronbara[m] nem abalroara[m] porta algu[m]a, he por estar em coresma / por descargo de sua consiensia declarava que os sobreditos fora[m] injustam[en]te pronunsiados e que de sua livre vontade / sorprema nem constrangimento de pessoa algu[m]a lhe perdoava / toda a cullpa emenda e satisfação sível e crime que pello dito caso lhe havia a justiça emposto e delles não / queria mais cousa alguma, e pedia às justiças de sua mag[esta]de que mais contra elles não prosedessem avante porquanto / por este lhe havia perdoado livremente e assim o disse e outor/gou e mandou ser feito nesta nota este instrum[en]to de perdão / e delles dar os treslados nesessários e que comprirem a / que tudo eu t[abeli]am como pessoa públiqua estepulante e assei/tante todo estipulei em nome da pessoa ou pessoas / a que o aseitaram tocar possa não presentes p.a assim mai pedi os / treslados nesessários e que comprirem a que foram testem.has / Jherónimo de Oliveira m.or nesta vila a que ella M.a cardosa rogou / que assinasse por ella e assinou sendo mais test[emunh]as presentes / Ant[óni]o da Rocha e Belchior Mendes morador nesta villa que / todos aqui assinaram Miguel Dias t[abeli]am o escrevi
Assino a seu rogo Jerónimo de Oliveira + Benchior Mendes + António da Rocha”

O documento refere então que na noite de São Nicolau de 1645, António Pereira e Tomé Pereira,  ambos estudantes, teriam arrombado um postigo da casa de Maria Cardosa, tendo esta, algum tempo depois, apresentado uma queixa que, mais tarde, viria a retirar.
O relato extraído do notarial não só demonstra que em 1645 existia algum tipo de culto prestado a S. Nicolau pelos estudantes vimaranenses, mas também dá-nos a conhecer que já nessa altura as festividades se revestiam de um certo caractér transgressor, que perdurou ao logo dos séculos e que ainda hoje se mantém.

Fontes documentais: Arquivo Municipal Alfredo Pimenta, Arquivo Notarial, Cota: N – 49 fl. 132 v.
O documento citado foi-me cedido pelo Rui Faria a quem muito agradeço.



[1] O termo “Nicolinas”, surgido no século XX,  é aqui usado no título como sinónimo dos festejos e folias dos estudantes praticados no dia de S. Nicolau ou em sua homenagem.

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